As origens d'A Fala:: a controvérsia

 

Vista do Rio Eljas (Vale do Xálima)

A dificuldade em definir a Fala  está obviamente associada à dificuldade em encontrar consenso quanto à sua origem e conservação. Há uma tendência acentuada para considerar que a Fala resulta da deslocação de naturais do noroeste da Península - da Galiza, portanto - que terão vindo povoar esta região espanhola após a Reconquista Cristã. Lindley Cintra, por exemplo, afirma que a Fala  tem origem no início do século XIII por via dos colonos galegos trazidos pelo rei Afonso IX que, aliás, também terão povoado a região de Riba-Côa e outras zonas da província de Salamanca.

Este argumento não é, porém, suficiente para explicar integramente a origem da Fala.. Sabe-se que, de facto, Fernando II e Afonso IX, nos séculos XII e XIII conquistaram as três povoações do Vale aos Muçulmanos. As povoações conquistadas foram divididas por duas ordens militares para que as povoassem e defendessem. Assim, S. Martín de Trevejo e, já fora do Vale, Villamiel, Trevejo e Villarubias foram doadas à Ordem Hospitalar de S. João de Jerusalém e Eljas e Valverde, a que mais tarde se juntou Navasfrías, foram doadas à Ordem de Alcântara.

Até ao século XIX, os conjuntos das localidades referidas mantiveram mais ou menos esta distribuição político-administrativa que as dividia. Inclusivamente, a nível religioso as três localidades do Vale estiveram divididas entre as dioceses de Cidade Rodrigo e Cória. As questões que, muito pertinentemente coloca o estudioso José Luís Martín Galindo, são as de saber como se explica a existência de uma fala comum entre três localidades que durante séculos estiveram divididas por Ordens Religiosas que, inclusivamente, rivalizavam entre si. Porque é que dentro de uma mesma Ordem umas povoações sempre  falaram enquanto outras sempre  hablaran quando é lógico pensar que os supostos colonos galegos que chegaram com a Reconquista seriam os mesmo nos territórios das duas Ordens? E porque é que S. Martin de Trevejo e Villamiel, por exemplo, são dois mundos linguistica e culturalmente tão estranhos quando durante 7 séculos fizeram parte da mesma unidade territorial?

 

 

 

Aspecto do Rio Torto. Durante séculos marcou a fronteira  entre Portugal e Espanha. Durante séculos , na margem de lá, falou-se. Na margem de cá... também.

 

 

 

Estas questões são elucidativas para ilustrar quão difícil é a alguém pronunciar-se quanto à origem da Fala.. As teses não passam de especulações e, novamente socorrendo-nos dos trabalhos do estudioso José Luís Martín Galindo, crê-se - na actualidade - que essas origens devem procurar-se em épocas anteriores ao repovoamento dos reis de Leão. Quando estes conquistaram a área já havia núcleos populacionais estáveis desde o tempo dos romanos e, muito antes disso sabe-se, graças à Arqueologia, que o Vale foi habitado desde tempos pré-históricos. A presença Celta foi marcante e terá deixado marcas semelhantes às registadas em território português. Por isso, José Luís Martín Galindo julga ter de se buscar a origem da Fala  nos habitantes de raiz céltico-romana que sempre aí existiram. A Fala, enquanto forma de linguagem arcaica deve ter tido origem na aprendizagem do Latim por parte desse primitivos habitantes num processo que também foi partilhado pelos antigos habitantes do Riba-Côa. Esta posição pode ser conjugada com a de Leite de Vasconcelos quando afirma que o que parece mais admissível, é supor que o português existiu em S. Martín desde que aí há povoação, ou porque o sítio foi povoado por Portugueses, tão vizinhos, ou porque a área primitiva da língua portuguesa o abrangia: o que vem dar na mesma. Só a pouco e pouco a língua geral da região em que fica S. Martín se foi sobrepondo à portuguesa (...).

 

 

CONTO TRADICIONAL DE S. MARTÍN

 

 

"A zorra cunviu a cumer à cigüenha; fizu natilhas i as eitó num canchal. Se puseram a comer. Foi a zorra, sacó a lengua i arrebanhó toas natilhas.

Dispois dixu a cigüenha:

- Tu has enganau-mi, pero ei tenhu que enganar-ti tamém.

A cigüenha fizu tamém natilhas i cunviu à zorra. A cigüenha as eitó numa azeiteira i se puseram a cumer. A cigüenha com o picu o metei na azeiteira i se comei tò.

Dispois dixu a zorra à pícara:

- Comu me has enganau?

I contestou a ciguenha:

- Primeiru me enganasti tu a mei."

 

 

PROPOSTA DE TRADUÇÃO

 

 

" A raposa convidou a cegonha para comer; fez papas e deitou-as numa eira. Puseram-se a comer. Vai a raposa, puxa da língua e arrebanhou as papas todas.

A cegonha disse depois:

- Enganaste-me, mas também tenho de te enganar.

A cegonha fez também papas e convidou a raposa. A cegonha deitou-as numa almotolia e puseram-se a comer. A cegonha, com o bico, metia-o na almotolia e comeu tudo.

Disse depois a raposa à cegonha:

- Como (tiveste coragem) de me enganar?

E respondeu a cegonha:

-Primeiro enganaste-me tu a mim."

 

Armas de Valverdi du Fresnu

 

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